sexta-feira, 10 de outubro de 2014

NIKITA



Nikita era a rapariga mais bela da sua escola. E, mesmo sem estudar, nunca reprovava, pois conseguia seduzir a maior parte dos professores com os seus atributos físicos.
Ao sair das aulas, jovens e até homens já maduros perseguiam-na nos seus carros luxuosos e um deles, oficial do exército de alta patente, acabou por engravidá-la o que a obrigou a desistir dos estudos para casar.
Foi um casamento pomposo, servido num dos melhores hotéis da cidade e que deixou nos convidados uma recordação indelével.
A lua-de-mel foi passada no estrangeiro e, quando voltaram, Nikita passou a viver num verdadeiro palacete. Nada lhe faltava, excepto a presença do marido, homem ocupadíssimo que, por razões profissionais, era obrigado a viajar constantemente.
Por este motivo, não tardou que a jovem passasse a enganá-lo com os próprios amigos que não perdiam a oportunidade de usufruir dos favores de uma mulher tão sedutora.
A vida decorria como um conto de fadas para Nikita, entre o luxo, o conforto e excitantes amores furtivos, até ao dia em que o marido morreu num acidente de viação, a caminho de Tete.

A MORTE DA BELA ACÁCIA
















(Prémio Fundac, 1996)

Assassinaram-na.
Eu vi.
Um assassínio lento e cruel.
No verão, quando as acácias se enchem de flores, quanta beleza, paz e alegria ela espelhava. Quantas vezes, eu e outros transeuntes, depois de uma longa caminhada, debaixo de um sol tórrido, parámos de baixo da sua sombra para conversar ou comentar a última fofoca. Porém, deixei-a morrer sem nada fazer. Dela resta apenas um pequeno cepo submerso num montão de lixo.

O COELHO E O RATO

                                        
Karingana wa karingana!
Karingana…
Karingana wa karingana!
Karingana…

Conta-se que há muito tempo, onde a cidade de Maputo está erguida era uma mata muito cerrada com capim alto, árvores e arbustros onde abundavam muitos animais. Cobras, coelhos, macacos, ratos, ratazanas, pássaros diversos, gafanhotos, lagartos e muitos outros animais.


Para atravessar a costa de Maputo para a Catembe não era tão fácil como hoje. Não havia ferry-boat. As pessoas e bens, atravessavam em barquinhos à vela e com muita dificuldade.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

CRIANÇA















Tu! Que a ninguém pediste para vir ao mundo
Tu! Que és o fruto daquele grande amor!
Daquele amor que leigos e jurados testemunharam
Daquele amor de muita mentira
Daquele amor selvagem,
Daquela violência que marcou tua mãe para todo o sempre
Por  tudo isso criança
Muito amor e muita rejeição te marcam.

Então não vejo?
Vejo, sim, criança!
Vejo, quando divagas com a manada a procura de pasto.
Chova, troveje ou debaixo do sol árido estás alí
Vejo nas grandes escolas lá da cidade alta
Quando logo pela manhã, bem equipado, o carro te deixa à porta do colégio
Quando desces do chapa e, cuidadosamente, atravessas as largas avenidas
Quando te metes naquela modesta rua a caminho da escola
Quando, com camisola e sapatilhas rotas, lutas para vencer a pobreza
Quando passo por ti ali no passeio encostado à padaria com uma bacia vendendo badjias
Quando, com uma caixa de papelão repleta de quinquilharias, interpelas a todos
Tentando ganhar qualquer coisinha.
Quando junto do semáforo te aproximas de cada carro pedindo uma moeda

Ó criança...

Ergue a cabeça
Ergue a cabeça e grite bem alto pelos teus direitos
Grite e lute com todas as armas e forças, pois
Criança, tu és o nosso amanhã


MULHER



















Procurei palavras bonitas
Palavras caras e raras
Palavras de dicionário
Palavras que só os doutores sabem dizer                                                                         
Para falar de ti,mulher
E não encontrei

Perguntei ao vento ao fogo e ao mar
A terra,ao tempo e espreitei no ar
Buscando alguém,alguma coisa
Que me dissesse o teu nome
Para eu falar de ti,mulher
E ninguém me respondeu

Então,vasculhei sentimentos e atitudes
E no fundo cada um
Descubri as tuas pegadas
Por vezes longíquas,
Outras vezes ténues
Mas sempre presentes numa caminhada perene e penosa

E por fim encontrei-te
Encontrei-te no rosto das crianças que geraste e criaste
No amor que criaste com grãos de dor
Na esperança que semeiaste am cada pedaço de desespero
Nas feridas que curaste com lágrimas escondidas
Para não mostrar a face

Encontrei-te nas bocas sasseadas da familia
Por pedaços de percurso entre camiões e fronteiras
Encontrei-te também no sono reparador do teu lar
Que semeaste em cada viagem arriscada
A pé,de chapa ou de boleia
Entre insultos,violência e abusos
Que respondes com um sorriso

Encontrei-te nesse amor que só tu sabes cultivar
Nos ombros que emprestas a quem precisa de chorar
 Encontrei-te nessa amálgama de emoções
Que vives em cada dia
E que transformas num olhar

Mas vi também pegadas recentes
Nas salas de trabalho de políticos e cientistas
Reconheci-te com microfones falando para multidões
Descobri que já começaste a consolidar espaços novos
Nas tecnologias,nas decisões e nos espaços nobres
Nas empresas em que algumas já te pertencem
Até condenas criminosos em salas de audiência.

Num momento de pausa
Encontrei-te sozinha com o olhar iluminado
E perguntei-te o nome

Respondeste: Sou Mulher

BEATA ASSASSINA

Porque me destróis?
Porquê?
Dei aos teus...abrigo.
Dei aos teus...sombra.
Dei aos teus...frescura, nos dias escaldantes de verão.

Oh! Homem.
Porque me destróis?
Incubei para ti, tanto, tanto cajú, Homem e...
Porque me destróis?
Sem dó, atiraste sobre mim...aquela beata, que...
Se deleitava sobre ti, destruindo-te, Homem.
Queimando-te o peito, os pulmões sem piedade.
Sem dó,a beata destruiu toda a pradaria,à minha volta.

Destruiu a minha fruta.
Destruiu os meus galhos.
Destruiu as minhas folhas.
Destruiu o meu tronco.
Destruiu a minha sombra, e toda a minha existência, que era tudo, só para ti, Homem.
Porque me destróis?


FaLanga


OYha- queimada

FOME

A aurora rompe a neblina
Não preguei olho
Rebolando, rebolando sem cessar
Minhas entranhas se roem
Sinto-as se entrelhaçando
Como se alguém as tecesse
Tecendo, tecendo talvez uma corda
Minhas entranhas se contorcem
Quantos dias sem saborear o manjar!
A fome é tanta
O sol queima tudo
O verde que é verde vira camaleão
Verde que vira amarelo
Verde que vira castanho
A fome é tanta
O sol queima tudo
O osso atirado ao lixo é só osso
Osso liso rejeitado até pelos cães
A fome é tanta que...
Cães disputam um pedaço de sabão
Oh! A fome é tanta



Fátima Langa

HOSSI NHANDAEIO

Hossi! hossi!
Nhandaeiooo!
Sei que o viste!
Hossi! Hossi! Omnipotente
Sem escrúpulos, descaradamente
Entrou na casa do meu vizinho e...
Arrancou a vida do pai, da mãe e do bebé do colo!
Meus amigos ficaram sem familia!
Com eles eu cresci.
Com eles eu jogava à bola e brincava às escondidas.
Juntos íamos à escola
Juntos sonhávamos o futuro
Certo dia acordei e não os vi mais.
Alguém os levou dali sem sequer um adeus
A palhota ficou triste!
As árvores murcharam como que queimadas.
Por que tinham que me separar  dos meus amigos?
Hossi,Hossi!
Nhandaeiooo!
Sem piedade,entrou também na minha casa.
Apresou toda a alegria que tínhamos.
Fez sofrer o papá.
Ele minguou que nem uma criança.
Em surdina, mamã rezava e chorava.
Vendeu tudo de valioso pela saúde do papá!
Galinhas,patos,cabritos
Mas...papá minguava
Nhandaeiooo...Nhandaeiooo...
Era madrugada, mamã gritou.
Papá acaba de morrer.
Mamã indefesa,frágil,não resistiu e...
Dia seguinte também morreu.
Hossi,Hossi!
Nhandaeiooo!
Com apenas treze anos,fiquei só.Com três irmãs
Sem pai,sem mãe e sem parentes,virei chefe de familia.
Deixo de ir à escola!
Deixo de brincar como e com outras crianças
Passo a lavrar a machamba da mamã!
Passo a cortar lenha e vender!
Passo a ir pescar!
Passo a cuidar das minhas irmãs!
A minha adolescência parou!
Hossi,Hossi
Nhandaeiooo!..Nhandaeio!..
Hossi,Hossi omnipotente!
Só tu Hossi podes
Podes aclarar a mente dos cientistas e estudiosos.
A descobrirem a cura.
Só tu podes acabar com o SIDA
Hossi,Hossi!
Nhandaeioooo.


Fátima Langa
   


MAMANA



















Mamana de mukume e vhemba
Com seu mupfana às costas
Com a vhemba o suportando e aconchegando

Mamana de mukume e vhemba
O mupfana chora nas tuas costas
O chingumbungumbo à cabeça
Deixa grossos pingos de água cair sobre ele

Mamana de mukume e vhemba
Mupfana chora aos berros
Porque chora meu mupfana?
Mamana de mukume e vhemba
Atira mabadjias para o calar
Mupfana chora,não cala

Mamana de mukume e vhemba
Pousa chingumbungumbo no chão para ver
Porque chora seu mupfana
Afinal mupfana não chora pingo de água
Mupfana chora uma formiga negra que

Mamana de mukume e vhemba
Transportou sem ver lá na machamba
Machamba onde colhia amendoim
Formiga preta que morde e faz doer
Mamana de mukume e vhemba descobre e mata
Formiga maldita
Mamana de mukume e vhemba
Segue alegre seu caminho com seu mupfana
Que agora sorri ao som da bela melodia
Que mamana de mucume e vhemba canta
La la la hooo. La la la hooo



Fatima Langa

ÁFRICA


















África, África!
Africa, berço da Humanidade
África, continente histórico
 Africa, onde todas as raças e tribos não têm fronteiras
África, continente do futuro
Porquê te expões a bando de abutres?
Oh África, continente de heróis
África de guerreiros
A coesão devia prevalecer tua tradição
África temida, polémica
O homem mais falado do mundo,
Quando em apuros esteve,
Foi em ti que se refugiou
A estrela mágica orientou até ao sítio mais seguro
Protegendo o Venerado Jesus Cristo
África de Faraó
África de Sankara
África de kwame Nkrumah
África de Lumumba
África de Mandela
África de Mondlane
África de Samora
África de Chissano
África de Guebuza
África, África, África, oh, tantos defensores!
África
Não deixes que te assaltem. Que te dividam
África milionária
África de ouro branco, de ouro preto, de ouro verde
África virgem
Ergue-te. Ergue-te, bem alto, e
Grita para o mundo inteiro que
Podes guiar os teus destinos.



FaLanga

CERTIFICADO

Este certificado foi-me atribuido pelo Conselho Internacional de Honrarias e Méritos como personalidade do Ano. Brasília, 2014


Eu e a jornalista Aneris Alves. Brasília, Março de 2014
Oferecendo o mapa de África  ao representante do Conselho Internacional de Honrarias e Méritos, excelentíssimo senhor Regino Barros.  Brasília, Maio de 2014


Eu e a comendadora Jupyra Barbossa Ghedini. Brasília, Março de 2014

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O CROCODILO e o BURRO

Karingana uwa karingana
Karingana
Karingana uwa Karingana
Karingana

A amizade entre o crocodilo e o burro era cobiçada por muitos animais, pois era uma relação que não se via com frequência.
Muitas vezes, iam passear juntos pelos campos, recolhiam alimentos e, ao fim do dia, muito animados, voltavam para as suas casas.
Certa vez, o crocodilo sugeriu uma visita a uma machamba de maçarocas que ficava na outra margem do rio.
O burro teve dificuldades em aceitar, alegando não saber nadar. Todavia, o crocodilo encorajou-o, garantindo ajudá-lo, pois o facto de ele não saber nadar não constituía problema, ele oferecia-se a carregar-lhe nas costas, embora com a condição de que, quando chegassem à machamba, o burro não zurrasse uma só vez, aconteça o que acontecesse.
O burro, ávido de ir comer a maçaroca, jurou que não iria zurrar. Foi assim que o crocodilo, convencido, carregou o burro às costas e, com ele, nadou até à outra margem do rio.
 Chegados lá, o burro ficou maravilhado com a esteira verde formada pela grande plantação de milho, maçarocas apetitosas e, imediatamente, os dois puseram-se a desfrutar, como se de sua propriedade se tratasse.
Com a barriga cheia, o burro esqueceu-se do juramento e… zurrou!
 Zurrou tanto que o dono da machamba apercebeu-se dos intrusos e foi a correr em direcção a eles para tomar alguma medida.
Porém, ao ver o perigo, o crocodilo meteu-se no rio e desapareceu.
O coitado do burro, apanhado em flagrante, não tinha como se defender.
O dono da machamba escoltou-o até à sua casa, onde castigou-o, severamente, e sentenciou-o:
- A partir de hoje, burro, passarás a transportar toda a carga que eu quiser, não haverá peso que eu hesite pôr-te em cima, isto é, serás tratado que nem uma besta, que és!
A partir deste episódio, entre o homem, o crocodilo e o burro, estabeleceu-se um clima de desentendimento. Por isso:
- Quando o crocodilo apanha um homem no rio, devora-o, sem dó, por tê-lo separado do amigo.
- O burro, porque comprometeu-se e não cumpriu, ficou condenado a sofrer constantes vexames.



Lição:
"Devemos Sempre cumprir com a palavra ". 

FIM

O COELHO, A GAZELA e o CARNEIRO

Karingana uwa karingana
Karingana
Karingana uwa Karingana
Karingana

A amizade entre o crocodilo e o burro era cobiçada por muitos animais, pois era uma relação que não se via com frequência.
Muitas vezes, iam passear juntos pelos campos, recolhiam alimentos e, ao fim do dia, muito animados, voltavam para as suas casas.
Certa vez, o crocodilo sugeriu uma visita a uma machamba de maçarocas que ficava na outra margem do rio.
O burro teve dificuldades em aceitar, alegando não saber nadar. Todavia, o crocodilo encorajou-o, garantindo ajudá-lo, pois o facto de ele não saber nadar não constituía problema, ele oferecia-se a carregar-lhe nas costas, embora com a condição de que, quando chegassem à machamba, o burro não zurrasse uma só vez, aconteça o que acontecesse.
O burro, ávido de ir comer a maçaroca, jurou que não iria zurrar. Foi assim que o crocodilo, convencido, carregou o burro às costas e, com ele, nadou até à outra margem do rio.
 Chegados lá, o burro ficou maravilhado com a esteira verde formada pela grande plantação de milho, maçarocas apetitosas e, imediatamente, os dois puseram-se a desfrutar, como se de sua propriedade se tratasse.
Com a barriga cheia, o burro esqueceu-se do juramento e… zurrou!
 Zurrou tanto que o dono da machamba apercebeu-se dos intrusos e foi a correr em direcção a eles para tomar alguma medida.
Porém, ao ver o perigo, o crocodilo meteu-se no rio e desapareceu.
O coitado do burro, apanhado em flagrante, não tinha como se defender.
O dono da machamba escoltou-o até à sua casa, onde castigou-o, severamente, e sentenciou-o:
- A partir de hoje, burro, passarás a transportar toda a carga que eu quiser, não haverá peso que eu hesite pôr-te em cima, isto é, serás tratado que nem uma besta, que és!
A partir deste episódio, entre o homem, o crocodilo e o burro, estabeleceu-se um clima de desentendimento. Por isso:
- Quando o crocodilo apanha um homem no rio, devora-o, sem dó, por tê-lo separado do amigo.
- O burro, porque comprometeu-se e não cumpriu, ficou condenado a sofrer constantes vexames.



Lição:
"Devemos Sempre cumprir com a palavra ". 

FIM

O ÚLTIMO PASSEIO DE D. VOLANTE


Mal cantava o galo, ainda quase noite, soava a pala-pala para despertar todos os negros para irem trabalhar nas plantações. Não havia velhos nem crianças, todos tinham que ir.
De tronco nu, encurvados, colhiam algodão durante horas seguidas. Para enganar o cansaço e a dor. Entoavam cânticos de revolta e desespero sem nunca interromper o trabalho. Sipaios e indunas[1], de chicote em punho, velavam para que ninguém se atrevesse sequer a erguer o tronco.
Nesse dia, Facela, que tinha um menino de colo, cansada de o ter nas costas, lá para o fim da manhã, escoltada por um sipaio, foi deixá-lo debaixo de um cajueiro.
 À tardinha pediu para ir amamentar o seu bebé, mas encontrou-o morto. Tinha sido mordido por uma serpente.– Nyandaieiooouuu… – gritou Facela – Nyandaieiooouuu…!
Sem mesmo esperar pela autorização do sipaio, um grupo de trabalhadores interrompeu o trabalho e juntou-se a Facela.
As mulheres e as crianças choraram com ela e os homens tiraram os chapéus de palha e encurvaram-se perante pequeno cadáver.
O respeito pela morte foi mais forte que o medo das chicotadas. Entretanto, como de costume, o sr. Administrador passeava no seu jeep procurando com os olhos ávidos alguma negrinha que lhe agradasse para a levar a abusar dela, na tenda sempre preparada para o seu repouso. Era assim sempre que lhe apetecia, não se importava se a jovem era casada ou mesmo se trabalhava com o marido na mesma plantação. E ninguém podia falar.
Vezes sem conta as raparigas depois de abusadas pelo sr. Administrador, eram eternamente rejeitadas pelos maridos. Houve até o caso recente de Madakwadjane que casara havia menos de um mês com Kavatane, numa Igreja Zione em Chidenguele, viu a sua amada sendo levada no jeep pelo sr. Administrador e ali mesmo decidiu que não podia suportar calado tamanha humilhação. Escapou ao controle dos sipaios e indunas e, ao fim do dia, foi encontrado com uma corda ao pescoço pendente num dos ramos de uma mafurreira.
Embora por razões bem mais inofensivas que as do sr. Administrador, D. Violante, sua mulher, também gostava de percorrer as plantações de algodão que pareciam uma esteira branca estendida no solo e de ananases que se estendiam a perder de vista.
 Tinha o hábito de, pelo menos duas vezes por semana passear, não de jeep mas refastelada numa padiola, carregada por quatro negros previamente escolhidos pela sua boa constituição física. Era uma mulher que pesava mais de 150 kgs., de largo traseiro e avantajados seios a contrastar com a cabeça minúscula. Protegia-se do sol com um chapéu de abas largas e, semi-deitada na padiola, regalava os olhos com a paisagem enquanto devorava guloseimas que sempre levava consigo.
No dia em que o Facela encontrou o filho morto, picado por uma serpente, fazia um calor abrasador. Porém, D. Violante não dispensou o seu passeio, obrigando os homens que a carregavam na padiola a percorrer as plantações durante horas, enquanto ela, com a cesta cheia de guloseimas, se deliciava com um leque.
 Exaustos, com os ombros esmagados de peso que suportavam e o corpo coberto de suor, e sem qualquer combinação prévia, no meio da plantação de ananás, os homens deram um jeito à padiola que imediatamente se quebrou ao meio.
Apanhada de surpresa, D. Violante caiu desamparada sobre as folhas cortantes dos ananases que, quanto mais ela tentava levantar-se mais deliberavam as fartas carnes.
Com os olhos arregalados, fingindo temor e pena, os quatro homens continham a custo as gargalhadas, nem sequer procuravam ajudá-la a levantar-se, pois “nenhum negro podia tocar na mulher do senhor Administrador”.
 Depois de muito esforço, e coberta de rasgões ensanguentados, D. Violante conseguiu erguer-se e caminhar penosamente seguida dos quatro homens, até a tenda do marido. Quando este tomou conhecimento do sucedido mandou espancar os negros até sangrarem. Todavia eles jamais confessaram terem quebrado propositadamente a padiola.
O certo é que o dia em que encontraram o filho do Facela morto, picado por uma serpente, foi também o dia do último passeio de D. Violante.

FIM
O conto que narrei, é inedito. Reflecte a dura crueldade que os trabalhadores negros das plantações em Moçambique eram submetidos pelos colonialistas. Vexames, humilhações moral e física. Mostra  também, a solidariedade humana dos subjugados. Assim, a rebelião silenciosa exercida por não se conformarem com os opróbrios a que eram submetidos.



[1] Um auxiliar do régulo ou chefe tradicional. C. F. Lopes et al, 2002 : 75.

UM CRIME NA COSTA DO SOL


Julinho muito jovem veio de Chidenguele para a cidade de Lourenço Marques onde trabalhou como empregado doméstico em casas ricas, o que lhe facilitou estudar à noite.
Com a sexta classe feita, e com a mãozinha de um ex-patrão conseguiu ingressar nos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) como factor. Ser factor dos CFM era bom demais para um jovem negro naquela altura.
Em pouco tempo Julinho tirou a carta de condução. A prestações comprou um Fiat em terceira mão, de um colega transferido para Quelimane. Graças ao mesmo patrão, foi-lhe atribuído pelos CFM uma casinha de dois quartos e sala. Era muito mais do que o Julinho sonhara.
Depois das horas de trabalho, no seu Fiat, circulava pela cidade inteira, com particular incidência junto às escolas para apreciar a chamar a atenção das raparigas.
A saída da escola, as raparigas lutavam por ele. Era dos rapazes mais disputados da cidade.
No seu minúsculo apartamento, era constantemente visitado por meninas, o que fez tremer um pouco a sua posição, pois alguns colegas seus, movidos por ciúmes e também porque não achavam bem, começaram a chamar matadouro a sua casa.
Ninguém gostava de ver as jovens estudantes a frequentar a casa daquele solteirão. Corria o risco de perder a casa quando, para surpresa de todos, meteu férias e foi para Chidenguele, sua terra natal, de onde voltou casado com uma rapariga de rara beleza.
Martinha era seu nome. Julinho tinha prazer em exibi-la em toda a parte, pois na verdade com a sua presença ela suscitava inveja a homens e mulheres.
Os filhos não tardaram a chegar. Em cinco anos, Martinha já ia no quarto filho, tendo tido no primeiro parto um casal de gémeos, um ano depois pariu outras duas, tendo uma nascida em Janeiro e a outra em Novembro.
Julinho começou a fugir de casa. Não suportava o choro constante das crianças e Martinha não conseguia gerir sozinha a ninhada que criara.
Julinho voltara a tomar o gosto pelos passeios com as meninas no seu Fiat e Martinha chorava noite e dia. Não se conformava que o seu marido andasse com outras e mesmo nas suas barbas.
Para o cúmulo, ele já nem dava dinheiro suficiente para as despesas da casa. O caril então era um quebra-cabeças, pois o rancho mensal lá conseguia levantar na loja do senhor Manuel, pois Julinho, no fim de cada mês, deixava o suficiente para o pagar. Mas nem mais um centavo!
A vida do casal foi-se deteriorando. Não havia o mínimo de entendimento, e ainda com o agravante de o custo de vida subir diariamente.
Para conseguir ter algum caril por vários dias, Martinha ganhou o hábito, como muita gente de Maputo, de ir a praia comprar peixe acabado de sair do mar, o qual conservava no congelador.
E foi nas idas à compra de peixe que ela conheceu Zeca.
O aparecimento de Zeca na sua vida, começou a significar muito para ela. Era um amigo e um confidente atento e carinhoso. Nunca conhecera ninguém assim em toda a sua vida, pois o seu namoro com Julinho foi tão breve que a cada dia que passava ficava com a convicção de que era um desconhecido que a havia procurado apenas para reprodutora dos seus filhos e governanta da sua casa.
A boleia de Zeca passou a ser uma constante.
Martinha sentia-se bem com Zeca e embora soubesse que se tratava de um amor proibido, em breve se tornaram amantes. Sempre que ia à praia comprar peixe, Martinha aproveitava a agradável companhia de Zeca que a enchia de lembranças e até de jóias valiosas.
Já nem se preocupavam com o que as pessoas dissessem ou pensassem, nem mesmo com Julinho que estava sempre ausente.
Tinham inovações fantásticas ao fazerem amor. Era num quarto de pensão, era no carro, na floresta, era onde a imaginação lhes ditasse e aí mesmo faziam amor.
Naquele dia, à hora do costume, Martinha saiu de casa com o cesto habitual para comprar peixe. Porém, não voltou mais. Não voltou à noite, como acontecia sempre. Pela primeira vez Julinho deu por falta da mulher. Depois do trabalho era habitual passar por casa mudar de roupa. Dessa vez, foi acolhido pela surpresa de bagunça dentro de casa e um choro descontrolado das crianças. Julinho não queria acreditar na ausência de sua mulher, todavia a noite passou e veio a manhã sem notícias de Martinha. Julinho foi trabalhar, mas a meio da manhã deu uma escapada a casa e nada de Martinha.
Martinha desaparecera. Espalhada a notícia, a vizinhança especulava dizendo cada um o que entendia. Havia quem confirmasse ter a certeza absoluta de ela ter fugido com o homem do Subarú.
Julinho percorreu hospitais, cadeias, até na morgue foi procurar Martinha.
A alegria de Julinho desaparecera, pois de qualquer modo sentia o seu orgulho de macho ofendido.
Não sabia em que pensar, porque para ele a Martinha de facto era aquela mulherzinha submissa que ficava em casa a cuidar dos filhos.
Era difícil pensar doutra maneira. Os miúdos lá do bairro conheciam muito bem o Subarú que dava boleia a tia Martinha e até tinham a matrícula. Era assunto dos mais velhos sim senhor mas algumas vezes, a caminho da escola, viram o Subarú com o mesmo homem que costumava sair com a tia Martinha.
Qualquer coisa não estava bem. A tia Martinha não podia abandonar crianças tão pequenas e fugir com um homem. Mas com quem fugiria, se a última vez que ela foi vista foi a sair com o homem do Subarú? Como é que se justifica ela não aparecer e ele a andar por aí?
Já passavam alguns dias sobre o desaparecimento da vizinha quando um grupo de jovens, à revelia dos pais, se dirigiu a casa do Julinho e, depois de muita hesitação, pediram desculpas e falaram-lhe do homem do Subarú.
Julinho não queria acreditar no que estava a ouvir. Admitir que aquela Martinha, toda submissa, pudesse ter um amante, era a última coisa que esperava ouvir na vida. Todavia, perante as evidências, tinha que aceitar qualquer coisa para servir de base para as buscas da desaparecida. É assim que baseando-se das afirmações dos jovens, dirigiu-se à polícia e revelou o que lhe havia sido contado.
Não foi difícil localizar o Subarú e o seu proprietário que foi imediatamente notificado pela polícia. Na esquadra, a princípio quis negar que conhecesse Martinha, porém não foi longe porque Julinho fazia-se acompanhar dos garotos lá do bairro que até estavam adorando a oportunidade de subirem no carro do titio Julinho. Os jovens reafirmaram, na presença da polícia, conhecerem o carro e o proprietário e que a última vez a que a titia Martinha tinha sido vista no bairro foi a entrar no Subarú com o senhor ali presente.
Zeca estava muito nervoso o que facilmente o denunciou como estando a esconder qualquer coisa. Estava-se em plena década de oitenta, o chamboco[1] ajudava muito a aclarar a amnésia intencional de muita gente.
Zeca foi severamente sovado pela polícia, mas sempre negando qualquer envolvimento com o desaparecimento de Martinha.
A princípio gritava em português: ai Jesus, aí minha nossa, ai Jesus…ai minha Nossa Senhora de Agrélia, ai Jesus… não tenho nada a ver com essa mulher. Mas a surra foi tanta que a fineza de Zeca desapareceu e gritou… Nyandayeeeiiiooouuu[2], Nyandayeeeiiiooouuu! Parem de me bater que eu já vos digo o que se passou – e começou a chorar.
Amei muito essa mulher, começou ele, chorando como uma criança. Foi talvez a única mulher que amei na vida. Continuou evocando, quase sonhadoramente o seu passado com Martinha.
Era uma mulher adorável, meiga e ingénua. Levei muito tempo para convencê-la a ser minha, pois embora uma mulher sofrida, tinha muita dignidade.
Amei-a na cama, na rua, no carro e em muitos sítios que vocês nem podem imaginar. Naquele dia, depois de comprarmos o peixe fomos dar uma volta até ao bairro dos Pescadores. Ela estava tão alegre, bela e tão feliz. Passava um pouco das dezoito horas e estava um luar muito bonito. Saímos do carro e o mundo, de um momento para o outro, tornou-se somente nosso. Não pensámos em mais nada nem em mais ninguém, e ali mesmo no chão, sobre o manto verde das ervas daninhas que o cobriam, amamo-nos.
Foi um momento sublime, único ou assim parecia ser porque Martinha delirava gemendo de prazer, mas de repente, estremeceu e ficou seca, inerte. Não entendi logo, muito tempo depois apercebi-me de que qualquer coisa de errado se estava a passar. Sacudi-a, gritei e chorei até não poder mais, porém logo a seguir entrei em pânico, pois constatei que ela estava morta.
Estava morta e não compreendia o que teria acontecido, mas ela estava morta, disso eu não tinha dúvidas.
Não sei quanto tempo fiquei com ela no meu colo chorando, mas logo comecei a pensar que tinha que fazer qualquer coisa. Por mera casualidade, eu trazia no carro uma pá e como não passasse ninguém por perto, fiz uma cova e enterrei a minha amada.
Que a justiça seja feita. Estou pronto. Acabo de tirar um grande peso de dentro de mim.
No minúsculo apartamento da esquadra, até os polícias habituados a ouvir de tudo, até as estórias mais macabras ficaram impressionados com a triste estória. Fizeram-se todas as diligências legais necessárias e dirigiram-se ao local indicando por Zeca. Lá estava o corpo enterrado. Depois da autópsia, ficou provado que Martinha fora picada, na coluna vertebral, por uma cobra venenosa. O lugar onde se deitara a fazer amor, escondia-se uma toca onde vivia uma cobra venenosa que a picou provocando morte instantânea por asfixia.
Com um cortejo bastante concorrido Martinha foi a enterrar no cemitério de Lhangene, onde descansa em paz.
Zeca foi julgado e condenado a uma pesada pena por obstrução de provas de um crime.




[1] Chicote feito de borracha ou de plástico para administrar punição. C. F. Lopes et al, 2002: 45

[2] Socorro